Resumo
Este ensaio propõe a formulação da Circularidade Ateísta como uma teoria filosófica que interpreta a diversidade religiosa como evidência da origem humana — e não divina — das crenças religiosas. A partir de fundamentos lógicos, epistemológicos e antropológicos, argumenta-se que a multiplicidade de religiões mutuamente excludentes, todas alegando acesso exclusivo à verdade, compromete a validade objetiva de qualquer uma delas. O texto dialoga com autores como Feuerbach, Wittgenstein, Hick, James e Chalmers, e propõe implicações para os campos da filosofia da religião, neurociência e espiritualidade contemporânea.
1. Introdução
Minha ideia original:
"Como pode existir uma religião verdadeira se as práticas religiosas das outras são também benéficas aos seus adeptos, com exceções, demonstrando ser a (s) divindade (s) e os valores religiosos também verdadeiros, mas, isto também seria um absurdo porque não se pode haver várias religiões verdadeiras ao mesmo tempo, com divindade (s) e valores religiosos também verdadeiros, e, então, devido à esta circularidade, não nos levaria a crer na verdade única de todas serem falsas, apenas criações da mente humana?"
Então:
A pluralidade religiosa é um fenômeno universal e milenar. Em diferentes culturas e épocas, surgiram sistemas de crença que oferecem explicações sobre a origem do mundo, o sentido da vida e o destino pós-morte. No entanto, essas religiões frequentemente apresentam doutrinas mutuamente excludentes. A Circularidade Ateísta surge como uma proposta teórica que interpreta essa diversidade como indício de que as religiões são construções humanas, e não revelações divinas objetivas.
2. Fundamentação Teórica
2.1 Diversidade e Exclusividade
A existência de centenas de religiões com doutrinas distintas e exclusivistas é amplamente documentada (Eliade, 1957; Smart, 1996). A maioria delas reivindica ser a única via legítima para a salvação ou iluminação (Hick, 1989), o que gera um paradoxo lógico: se todas são verdadeiras, mas se contradizem, então nenhuma pode ser objetivamente verdadeira (Russell, 1945).
2.2 Eficácia Subjetiva
Apesar das contradições doutrinárias, práticas religiosas distintas produzem efeitos subjetivos semelhantes: paz interior, sentido de vida, transformação ética (James, 1902). Isso sugere que a experiência religiosa pode ter uma base psicológica ou neurológica comum (Newberg & D’Aquili, 2001), e não necessariamente uma origem transcendente.
3. A Circularidade Ateísta como Teoria
A teoria pode ser formulada da seguinte maneira:
Se múltiplas religiões mutuamente excludentes produzem efeitos espirituais semelhantes, então a explicação mais plausível é que a experiência religiosa é um fenômeno humano, e não uma revelação divina objetiva.
Essa formulação se alinha à crítica de Feuerbach (1841), que via Deus como projeção da essência humana, e à abordagem de Wittgenstein (1953), que entendia a linguagem religiosa como expressão de formas de vida, não como proposições científicas.
4. Objeções e Contra-argumentos
4.1 Pluralismo Religioso
John Hick (1989) propõe que todas as religiões são expressões culturais de uma mesma realidade transcendente. No entanto, essa abordagem exige que as religiões abandonem suas pretensões exclusivistas — o que muitas não estão dispostas a fazer.
4.2 Experiência Mística como Evidência
Crentes frequentemente apontam experiências espirituais como prova da veracidade de sua fé. Contudo, tais experiências ocorrem em múltiplas tradições — e até fora delas — o que reforça a hipótese de uma base neurológica comum (Newberg & D’Aquili, 2001).
4.3 Fé como Valor Intrínseco
Pode-se argumentar que a fé não precisa ser lógica ou universal para ser válida. A Circularidade Ateísta não nega o valor subjetivo da fé, mas questiona sua pretensão de verdade objetiva e universal.
5. Implicações Filosóficas e Contemporâneas
A teoria propõe uma leitura crítica da religião que valoriza a experiência subjetiva sem recorrer a absolutismos. Ela dialoga com debates contemporâneos sobre espiritualidade laica (Botton, 2011), consciência artificial (Chalmers, 1996) e espiritualidade ateísta (Onfray, 2014). Além disso, oferece uma lente útil para a educação laica, o diálogo inter-religioso e a ética pós-metafísica.
6. Considerações Finais
A Circularidade Ateísta não pretende invalidar a fé pessoal, mas sim oferecer uma estrutura teórica para compreender a religião como fenômeno humano. Ao reconhecer a pluralidade como expressão da diversidade cultural e psicológica da humanidade, a teoria convida à humildade epistêmica e à valorização do mistério como parte essencial da experiência humana.
Referências
BOTTON, A. de. Religião para ateus. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2011.
CHALMERS, D. The Conscious Mind: In Search of a Fundamental Theory. Oxford University Press, 1996.
ELIade, M. The Sacred and the Profane: The Nature of Religion. Harcourt, 1957.
FEUERBACH, L. A Essência do Cristianismo. Vozes, 2007 [1841].
HICK, J. An Interpretation of Religion: Human Responses to the Transcendent. Yale University Press, 1989.
JAMES, W. The Varieties of Religious Experience. Penguin, 1985 [1902].
NEWBERG, A.; D’AQUILI, E. Why God Won’t Go Away: Brain Science and the Biology of Belief. Ballantine Books, 2001.
ONFRAY, M. Tratado de ateologia: física da metafísica. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
RUSSELL, B. A History of Western Philosophy. Simon & Schuster, 1945.
SMART, N. Dimensions of the Sacred: An Anatomy of the World's Beliefs. University of California Press, 1996.
WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. Companhia Editora Nacional, 2009 [1953].