Começo este texto com as duas definições
de acreditar e a fé, tiradas de um mesmo dicionário. Simplifiquei-as sem
alterar o texto, evidentemente, apenas para não ficar cansativo ao leitor.
Acreditar: crer, dar crédito a, ter como
verdadeiro. Abonar (-se), conferir reputação a, tornar (-se) digno de estima.
Ter confiança.
Fé: crença, crédito; convicção da
existência de algum fato ou da veracidade de alguma asserção. 2. Crença nas
doutrinas da religião cristã. 3. A primeira das três virtudes teologais. 4. Fidelidade
a compromissos e promessas; confiança: Homem de fé. 5. Confirmação. 6. F. de
Cristo: a crença ou a religião cristã. F. divina: crença que se apoia na
revelação.
Nota-se, de imediato, dois exemplos de
absolutismo religioso nos itens “2” e “6”. Em “2”: cita-se “crença nas
doutrinas da religião cristã”. Em “6” a “fé de Cristo: a crença ou a religião
cristã” e também a “fé divina: crença que se apoia na revelação”.
Por que não colocaram diretamente em “2”
algo como “crença que se apoia na revelação em todas as religiões do planeta,
em todos os tempos?”. Óbvio, o dicionário é de um país cristão e faz-se
necessário aparecer algo cristão! Por que não teria em “2”, “religião
muçulmana”, “xintoísta” etc.? Seria exótico para quem lesse não é mesmo?
Cristãos ouvindo falar em Xintoísmo?... O que é isto? Nunca aprenderam na
escola e com os pais...
Em “6” falam da “fé em Cristo: a crença ou
a religião cristã”. Citam um nome conhecido e respeitado por nós, cristãos. Mas
por que não colocam outros nomes, também ligados a outras religiões? Aí, podem
ter certeza, seria o fim do dicionário! E aqui surgem os motivos deste artigo:
o meio moldando as cabeças, crenças, religiões, etc. - das pessoas, de forma
radical, devido ao absolutismo religioso!
Um bebê vem ao mundo com nada ou quase
nada de informações extra-genéticas. Conforme o tempo passa seu cérebro irá
crescer, absorvendo estímulos do meio ambiente que o cerca, com seus neurônios
se ligando de maneira a aprender, se comunicar, formar modelos da realidade – a
água é fluida, escorre entre as mãos - etc. O que ele realiza, por exemplo, ao
tirar sua mão de um copo de leite muito quente, é uma reação através de
informações intra-genéticas. Já trouxe consigo, como uma reação natural do
tato, engendrada em seu cérebro pelos seus genes, mas agora outro sentido, a
visão, e, em conjunto com a inteligência e sua memória, o farão a ser cauteloso
em situação parecida, chegando com sua mão próxima a outro copo, com aquele
líquido branco, verificando se pode pegá-lo ou não. Observará sua mãe
esquentando aquele líquido no fogo em outro recipiente para colocá-lo em copos.
Isto são experiências a ensinar as pessoas sobre o mundo diante de si. A
informação extra-genética é algo muito poderoso em sua vida.
Mas não só o intelecto atua na criança em
seu despertar para as informações e experiências vitais ao seu desenvolvimento
e adaptabilidade. As emoções estão presentes também. Ela voltará a comer uma
fruta, do tipo daquela em que o gosto lhe proporcionara uma sensação
maravilhosa de bem estar, de prazer, satisfazendo seu desejo mesmo sem fome. Vontade,
ânsia, desejo, emoções básicas do ser humano quando da interação com o seu meio
ambiente.
Como disse em meu artigo “O Porquê dos
nossos Sentimentos – II” - http://www.cerebromente.org.br/n15/opiniao/sentimentos2.html,
no meu blog “Neurociência, Teoria da Evolução, Sentimentos e Emoções” - http://sistemaevolucaoneurociencia.blogspot.com.br/ e na revista eletrônica Cérebro&Mente
– www.cerebromente.org.br - somos seres racionais e emocionais,
não podendo separar uma característica da outra quando em muitos envolvimentos
interativos. E acontecem nas mais diferentes formas e intensidades.
A alimentação é algo imprescindível na
vida de um ser humano, na sobrevivência de sua espécie, mas também podemos falar
em algo também importante, ligado ao seu bem estar e com a sobrevivência: o
equilíbrio emocional. Irei falar sobre ele nos dois próximos parágrafos para
depois relacionar com o que menciono abaixo deles.
Ele é fundamental em nossas vidas pessoais
e profissionais. Sem ele não poderíamos viver na plenitude em que consideramos
a vida para nós. Não dormiríamos quantitativamente e qualitativamente a
repormos nossas forças, estaríamos em constante choque com os nossos
semelhantes ou passivos demais para lutarmos em busca de nossas necessidades
materiais, viveríamos com medo de tudo que nos cerca prejudicando seriamente
nosso presente e futuro etc.
Nosso equilíbrio é afetado por desordens
internas e/ou externas a nós. Nascemos com metade dos genes de cada um de
nossos pais. Os genes constroem nossos cérebros a partir da concepção e um ou
mais erros nessa construção poderão levar-nos a problemas mentais no futuro.
Mas não é só isto. Conforme o cérebro se desenvolve da idade infantil até a
fase adulta, os estímulos negativos e positivos do meio, simplificando ao
máximo possível esse fato, poderão afetar as ligações sinápticas dessa
arquitetura neural, levando-o a um mau funcionamento de várias de suas áreas.
Isso acarreta em comportamentos inadequados ao mundo em nosso redor.
Uma criança tem em seu início de vida
muita informação passada pelos pais, irmãos, parentes, amigos, escola etc. Seu
cérebro vai se desenvolvendo com todas essas informações e também com conceitos
a respeito de tudo. Essa época em sua vida é uma das mais importantes na
formação de seu caráter e personalidade.
Imagine por exemplo uma criança em que seu
meio ambiente é formado por pessoas adeptas do cristianismo. Logo cedo alguém
diz para ela: “olha, existe um Deus que criou tudo que existe no mundo”. “Ele
criou o céu que você à noite, as estrelas, o Sol etc... Plantas, animais, os
rios...”. É evidente a aceitação, a admissão por parte da criança de
informações deste tipo, pois vêm de pessoas importantes para ela e porque,
naturalmente, existe uma poderosa capacidade dela em... Acreditar! Uma questão
ela pode achar absurda, deixar para lá, poderá ouvir mais o pai que a mãe sobre
um fato religioso etc. Dá para imaginar a quantidade de conceitos e informações
e como são passados a ela de forma inquestionável e... Absoluta?
Na escola, com amigos, nas outras cidades
e regiões de seu país, com pessoas adultas que mal a conhece etc., todo o seu
meio sintonizado no cristianismo. Ela cresce sendo ensinada do modo como o seu
meio ambiente é, e, de uma maneira ou de outra, acredita nas histórias. Seu
cérebro se desenvolve com essas informações e é possível, quando jovem ou
adulta, passar a estudar e crer em outras religiões. Mas, na maioria dos casos,
agora generalizando, terá uma marca permanente desde a infância. Seus neurônios
se ligaram formando redes quase indestrutíveis...
Simplificadamente, para o propósito no
qual me dedico a este artigo, os fatos ocorrem deste jeito, com o futuro adulto
passando a acreditar nos ritos, dogmas, crenças etc., do... Cristianismo! Da
igreja a ele associada!
Acreditar é crer, ter como verdadeiro. Fé
é crença, crédito, confiança, convicção da existência de algum fato ou da
veracidade de alguma asserção. A pessoa a qual estou me referindo aprenderá,
acreditará e terá fé naquilo que a ensinaram, sentindo que pode reverenciar seu
Deus para qualquer propósito.
No meu artigo “O Surgimento de uma
Religião como uma Necessidade Humana”, http://orelativismodasreligioes.blogspot.com/2008/01/o-surgimento-de-uma-religio-como-uma_11.html,
cito um grupo de homo sapiens em uma ilha, em que ideias sobre de onde vieram,
porque estão vivos e para onde irão após a morte, é um fato presente e
perturbador em suas mentes. Questionamentos como este sempre existiram na
imaginação das pessoas em todas as épocas e lugares.
O equilíbrio emocional pode sim ser
alterado se as pessoas não tiverem a capacidade em crer e colocar esta vantagem
em prática. Naturalmente, quase automaticamente isto é feito, devido à condição
em que viemos a este mundo, com consciência, fé e amor próprio, sendo isto um
tema já abordado por mim em “O Porquê dos nossos Sentimentos” no meu blog
“Sistemas, Teoria da Evolução e Neurociências”:
http://sistemaevolucaoneurociencia.blogspot.com/2008/01/o-porqu-dos-nossos-sentimentos_28.html, e também na revista eletrônica
Cérebro&Mente –www.cerebromente.org.br. Em minhas palavras:
“A consciência, indo mais longe, precisa necessariamente de, no mínimo, dois
suportes emocionais para perpetuar, duas forças poderosíssimas: a fé e o amor
próprio. Que espécie de seres conscientes conseguiria sua perpetuação se não
acreditassem em si mesmos? No seu trabalho, na sua luta diária? Ou, como na
maioria dos habitantes do planeta, em algo divino para se apoiarem? Nem
levantariam da cama! E que sistema poderia também sobreviver se não gostasse de
si próprio? O que adianta um corpo forte em uma mente fraca? Talvez cheguemos a
um fato universal: qualquer ser consciente no cosmos terá este tipo de
característica. Talvez não exista nada somente racional”.
Conforme nas definições de acreditar e fé,
o acreditar pode ocorrer sem a fé. Você acredita em algo, mas não possui fé
naquilo, não coloca suas forças e energia se valendo deste sentimento poderoso.
Um cristão pode acreditar em Deus, mas não ter fé suficiente para seguir sua
religião como outros o fazem. Mas ele acredita... E acreditar, como se vê na
definição, é “tomar como verdadeiro”. Mas como ele possui essa verdade? As
definições de tudo de sua religião? Foram passadas, como disse acima, muitas
informações, conceitos etc., pelo seu meio ambiente: seus pais, escola,
ambientes sociais... E fatos desses tipos acontecem em todo o mundo, em todas
as épocas, é válido para tudo que o homem criou até hoje como deuses, Deus,
dogmas, seitas, rituais, religiões etc. Meio ambiente não é só a natureza...
Para o homem o conceito é amplo, maior que para outros organismos vivos em seus
habitats, mesmo possuindo relações sociais sofisticadas em relação a outros,
como os primatas.
Um ateu, embora tenha uma percepção em que
consegue imaginar algo além do mundo material, propriedade esta comum aos
humanos, não acredita em deuses ou Deus, influenciando nosso mundo. Não sente
nada, “não precisa” e mesmo se sentir alguma coisa poderá rejeitar usando sua
lógica, por exemplo. Dirá o seguinte: “é uma invenção da minha mente”. Ele é
minoria nas populações porque essas sim necessitam da fé e do acreditar. Agora,
ele acredita em si próprio, possui fé em si mesmo, porque senão, novamente
mencionando uma frase, ele nem levantaria da cama para... Viver! Viver em seu
conceito que todos conhecem: trabalhar, passear, estudar etc. Por isso eu disse
“quase automaticamente” no antepenúltimo parágrafo acima... Acorda, levanta e
começa um novo dia... Sempre fora assim para nós humanos e sempre será...
Outra pessoa possui fé inabalável em suas
crenças! Seja qual for a sua religião, o que passaram a ela, os dogmas e
rituais são absolutos a ponto de melhorar seu estado emocional quando
necessário.
Isto dá um artigo inteiro, mas, por
exemplo, pense em alguém que perdeu um ente familiar, próximo. Ela é cristã e
acredita, possui fé suficiente para pensar, sentir, que seu familiar estará em
um lugar próximo a Deus, na forma de alma... Espírito... Difícil, simplificando
o assunto, achar alguém mais forte que ela. No mínimo suportará a dor quanto à outra
cristã praticante.
Em “E o Homem Criou Deus”:
www.orelativismodasreligioes.blogspot.com e www.genismo.com, falo com estas palavras: “É
confortante para o homem acreditar em algo superior, transcendental, que o
ajude e o ampare. Ter consciência do mundo, da existência de uma separação
entre nós e o que nos cerca, pode levar-nos a uma solidão juntamente com uma
insuportável crise existencial. O homem não aguentaria viver neste mundo sem
algo de superior a acreditar. Mais uma vez, outro “amortecedor” natural oriundo
da fé”.
Então temos: sentimentos a respeito de viemos,
porque estamos aqui e para onde vamos após a morte. A impossibilidade de
entender o infinito e, aqui, colocando esta questão, digo que o ser humano
sempre buscou algo para justificar, entender a criação... Para o homo sapiens
tivera que existir algo a criar tudo e como esse tudo não era pequeno, o “algo”
necessariamente seria superior. Ou “algos”, referindo-me a deuses porque a
maioria das sociedades humanas até hoje foram politeístas.
A capacidade humana em acreditar e possuir
fé, sociedades a criarem religiões, seitas, crenças, etc., como forma de
entender questões cruciais de suas existências, de suas condições por vezes
limitadas, porque senão, o próprio equilíbrio emocional estaria comprometido.
Aliás, um vem junto com o outro, deixando as pessoas com uma razoável estrutura
emocional para viverem em um mundo muitas vezes hostil. E isto se aplica até
hoje... Sem estrutura emocional, sem equilíbrio, você teria uma vida
confortável em muitos aspectos? Não! Ele não é necessariamente tudo, mas é
muito importante.
Um sistema complexo, consciente de si,
capaz de imaginar por lógica que existe um mundo além do nosso, teria que
possuir vantagens evolutivas como o acreditar e a fé, a preencher esse outro
mundo com seres sobrenaturais capazes de realizações a nosso favor. Elas fazem
parte de outros sentimentos e emoções necessários à sobrevivência de nós,
humanos, no planeta.
Uma professora minha contou à classe que,
um ateu, ao saber de sua aprovação em um concurso, disse: “graças a Deus!”. Daí
ela completou: “mesmo os ateus ainda possuem alguma credulidade, ainda que não
a admitam”. Não! Somos “bombardeados” desde crianças a tantas expressões: “Deus
lhe pague”, “Deus quis assim”, “Deus te ouça”, “vá com Deus”, “fique com Deus”,
etc., que é muito fácil uma pessoa incrédula “soltar” uma frase dessas em um
momento de emoção.