sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O surgimento de uma religião como uma necessidade humana

Escrito em: 11/01/2008. 
Revisado em: 10/10/2018. 

Palavras-chave: Religião, Xistoísmo, Japão, Relativismo religioso, Consciência, Acreditar, Fé. 
  
Imagine o seguinte cenário: um grupo de homo sapiens em uma ilha. Essas pessoas podem ser em número de centenas ou mesmo milhares. Eles apenas enxergam poucas ilhas distantes, não sabem o que é um continente porque nunca estiveram lá, não possuem tecnologia a fabricar barcos e explorar o oceano a sua volta. Possuem alguns artefatos feitos de barro representando homens, mulheres e animais, vasos de cerâmica, utensílios de bronze mostrando a capacidade de dominarem o fogo, de se lidar com esse metal. 

Como foram parar lá? Maremotos isolando sua ilha ou os seus antepassados vindos de alguma forma desconhecida por eles, já nasceram lá... 

O universo para eles é o céu a terra e o mar. Os elementos as plantas, aves e animais. Possuem dificuldades com o meio ambiente: tempestades, escassez de alimentos e água potável, hostilidade de feras, inimigos dentro da própria comunidade, etc. 

Lutam por sobrevivência, anseiam por épocas melhores, não entendem sobre doenças, talvez algumas plantas aqui e ali para amenizar algum problema de alguém. Inventam palavras para exprimirem seus sentimentos, modos mais adequados de se comunicarem entre si, suas descobertas, ideias, anseios... 

Possuem alguns entretenimentos. Se divertem em rios e cachoeiras. À noite se reúnem em volta de fogueiras, talvez já exista alguma forma de música, ritualística ou não, as crianças brincam despreocupadamente, as mães acompanham os homens ou conversam entre si. 

Mas todos sabem: depois de certo período, uma luz irá brilhar, iluminando toda a ilha. Assim, suas lutas recomeçarão, tentando não se abaterem com os estímulos negativos oriundos do meio ambiente. E não só esses estímulos os perturbam. Algo vindo de dentro, devido a um questionamento possibilitado pela inteligência e pela consciência de si, os perseguem desde há muito tempo: quem são, quem criou aquelas ilhas, o porquê do bem e do mal, qual o significado da vida e da morte? Esta última é a mais perturbadora de todas porque mexe com algo absoluto para eles: nenhum escapa. Todo ser vivo, aquilo diferente do mundo mineral, nasce, cresce e morre. As crianças são oriundas do ventre das mulheres e um dia irão morrer como os idosos, inimigos em luta, acidentados, etc. 

Alguma saída existe para esse conflito emocional oriundo de dilemas existenciais? Porque, no meu modo de ver, um sistema complexo como o cérebro, consciente, teria graves problemas emocionais e não funcionaria direito. Esses nativos estariam comprometidos seriamente com suas vidas, com a perpetuação do grupo na ilha. Mas, como todos os homo sapiens, eles possuem a capacidade de acreditar em si mesmos e em entes sobrenaturais. Proteção, segurança, esperanças, fé, etc., a motivá-los para enfrentar os seus obstáculos. 

Além de tudo palpável a eles, imaginam criaturas poderosas e sentem suas existências. Começam a dar nomes a elas, falam de seus descendentes também poderosos, falam dos sentimentos de suas presenças em situações de perigo às quais sobreviveram. 

Para esse povo o cenário da criação começou com o mar, mas alguns mitos referiam-se à terra em seus pés como um fluído, onde os deuses nasciam como plantas, do chão. Várias descendências de deuses ocorreram até dois deles, um masculino e um feminino, querendo criar o mundo, precisamente aquelas ilhas. Com um arremesso de uma lança ao mar, houve uma solidificação dos respingos na água dando origem às mesmas. 

Esse casal de deuses resolveu ir morar nas ilhas, criando rochas e montanhas, criando outros deuses menores, sendo esses responsáveis pelo aparecimento dos animais e plantas. A natureza estava formada. 

O deus feminino veio a falecer ao parir o fogo. Seu esposo foi atrás dela até o país dos mortos querendo a sua volta, mas se perdeu no caminho. Por essa experiência ele se lavou e da limpeza de seu olho esquerdo nasceu a deusa Sol. Do outro olho nasceu a deusa Lua e do nariz o deus da tempestade. 

Divindades surgiram de outras partes de seu corpo. Uma foi incumbida de governar a noite e, outras duas, o mar e o céu. O governador do mar não fora competente em sua tarefa, sendo afastado dessa tarefa. No exílio conheceu uma jovem, filha de um deus e casaram-se. Deles nasceu uma grande quantidade de divindades e um neto de uma delas foi o bisavô de um imperador, o fundador do primeiro estado... Japonês! 

Sim, eu estava todo esse tempo falando simplificadamente do surgimento do xintoísmo, a religião japonesa, reconhecida como tal somente no século sexto. Houve fusão de várias ideias entre o Xintoísmo e o Budismo, influências taoístas e confucionistas, conforme o Japão foi-se desenvolvendo e seu povo entrando em contato com outras civilizações, principalmente da China. 

O Xintoísmo fala de duas almas quando um ser humano nasce, uma vinda do céu e outra da Terra. Na morte cada uma delas volta de onde veio e a da Terra será julgada pelas atitudes em vida. Sentenciada a servir no inferno, devido às suas falhas, após o cumprimento da pena ela renasce na Terra ou se torna um demônio. Tornam-se espíritos como recompensa quem fizeram o bem em suas vidas. Desses, alguns tornam-se guardiões de lugares específicos, outros irão guiar seus descendentes e existem aqueles enviados a servirem aos deuses das cidades. Poucos são deificados. Isso se realizarem feitos excepcionais.
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A religião japonesa foi considerada pelos Estados Unidos e os aliados como uma das principais fontes de inspiração nipônica militar e expansionista durante a segunda guerra mundial. Então, cuidaram de neutralizá-la chegando a proibir qualquer apoio oficial de órgãos públicos a partir de 15 de dezembro de 1945. Não se consegue retirar totalmente de um povo uma religião a partir de decretos e apesar de dividir espaço atualmente com o cristianismo, confucionismo, taoísmo e budismo, ela continua sendo a religião com o maior número de seguidores. Isso porque o xintoísmo é a essência do Japão, da sua cultura, como uma religião de berço, indígena, própria, nascido em suas ilhas com tradição milenar. 

Daria para acreditar que eu estava falando de um fato nativo como um dos fatores da grandiosidade da cultura e sociedade japonesas, desde os primeiros parágrafos? Claro, alguma elucubração eu fiz quanto do cenário indígena e fatos possíveis acontecendo nesse tipo de sociedade. Mas os deuses existiram, existem (para eles) e omiti os nomes para não se desconfiar logo de início da minha intenção em transmitir, com este pequeno texto, a força das crenças, sendo absolutas em todos nós, mas as formas das religiões surgidas a partir delas são bem diversificadas. Fiz como exemplo o Japão, uma superpotência, onde as raízes da sua cultura e sociedade podem parecer tolas, ingênuas para muitos de nós! Daí o relativismo religioso. (1) 

O “acreditar” e tudo derivado dele, incluindo a fé, é uma força evolutiva muito poderosa em nós humanos. Ela molda nossas sociedades e nosso modo de vermos o mundo a partir do momento das nossas criações de mitos, crenças, regras de conduta social, deuses ou deus. 

Podemos ver que as religiões, nascidas dessa nossa capacidade de acreditar e sentir tem muito a ver até com a geografia do local de nascimento. No Japão existem muitos vulcões – montanhas – e os deuses masculino e feminino, respectivamente, Izanagi e Izanami, foram quem criaram as rochas e as montanhas. E também foram quem arremessaram as lanças das quais os respingos no mar fizeram surgir ilhas tão comum aos nipônicos. Afinal, o Japão é um conjunto delas. 

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Nota: 

01 - Comento da necessidade do povo nativo daquelas ilhas em compreender tudo ao seu redor, de estarem limitados por água em todos os lados, fatos os quais, antes do surgimento das embarcações por eles produzidas, eram realmente muito sérios em suas vidas. Suas terras seriam inundadas? Havia outros locais mais seguros? Por que estavam fadados a viverem e morrerem somente ali? Para um povo ainda muito ignorante, estas e outras muitas questões passíveis de imaginarmos, eram um verdadeiro pesadelo para eles. Nada como emoções e sentimentos ligados à imaginação para criarem deuses e fatos a deixarem as suas condições humanas bem confortantes... 


Referência: 
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1 – Argos Arruda Pinto. O Relativismo religioso e o que existe por trás disto. 2007. Disponível em: < http://orelativismodasreligioes.blogspot.com.br/2007/03/o-relativismo-das-religies-e-o-que.html >. Acesso em: 10/10/2018.

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