quarta-feira, 10 de outubro de 2007

E o homem criou Deus

Escrito em: 10/10/2007. 
Revisado em: 10/10/2018. 


Palavras-chave: Sentimento, Emoção, Religião, Consciência, Racionalidade, Teoria da Evolução, Cérebro. 


Por que somos seres dotados de racionalidade, consciência, emoções e sentimentos? 

O homem recebe estímulos do meio ambiente e os processa a fim de poder reagir adequadamente a eles. Os sentidos são os canais de entrada e o sistema nervoso, incluindo o cérebro, o computador de processamento. Isto é a racionalidade. 

Qual o propósito último dessas propriedades? Dessa capacidade? A perpetuação dos seres humanos na Terra! 

A consciência é a propriedade na qual o cérebro volta a si próprio, verifica se está certo ou errado na realização de funções. Verifica sua própria atuação. Mas é também um instrumento da inteligência, da razão. Como um exemplo, imagine você tomando uma decisão em um jogo de xadrez. Você pensa: “vou colocar a torre ameaçando a dama adversária e, meu oponente, ao tirá-la de sua posição, vai me facilitar um xeque-mate através de minha dama e a outra torre”. Por seis vezes seu cérebro “requisitou” a consciência nesse raciocínio: “eu” vou, “minha” torre, “meu” oponente, a “mim”, “minha” dama, “minha” torre. Na verdade, foi a consciência quem dirigiu todo o processo “comandando” a inteligência. Ela é um dos maiores, se não o maior, instrumento da racionalidade humana. Nem é preciso dizer o quanto ajudou em nossa sobrevivência no planeta. 

Mas existem os nossos sentimentos e emoções também... E digo novamente: perpetuação dos seres humanos! 

Os mamíferos são organismos zelosos com suas proles e também são seres sociais. São diferentes dos répteis e peixes, de animais nos quais seus descendentes são livres ao penetrarem no meio ambiente logo após o nascimento, sem nenhum cuidado por parte dos genitores. Como isso é possível? 

Existe uma força de ligação entre pais e filhos nos mamíferos: o afeto, o amor. E aí começa a história. Sem esses sentimentos, e muitos outros, os filhotes não sobreviveriam porque nascem imaturos, despreparados para enfrentarem o mundo. E sem sentimentos e emoções não formaríamos famílias, não faríamos por nós, pelos outros, pela coletividade. Leia os textos indicados após este artigo e o livro "Os Dragões do Éden", de Carl Sagan. 

Além da racionalidade, emoções e sentimentos foram decisivos em nossa sobrevivência na Terra. As forças evolutivas as criaram. 

Neste ponto a ciência difere dos filósofos cristãos, pensadores etc., porque diziam serem os sentimentos, emoções e a racionalidade, frutos da influência de algo imaterial como um espírito ou alma. Se as forças evolutivas criaram um sistema dotado dessas três propriedades, existiria algo imaterial a influir nesse sistema? 

O espírito acompanhou toda a história evolutiva dos organismos até o nosso cérebro? Ele se apossou do cérebro em certa altura da história evolutiva dos nossos antepassados? Ele “dirigiu” as forças evolutivas conduzindo a evolução do sistema nervoso? Perguntas até hilárias! Isto não é ciência! Ciência é estudar os fenômenos naturais, explicá-los, sem apelar a nenhum artifício, ou “atalho”, facilitando a compreensão desses estudos. 

Mas podemos ir mais longe. E por isso coloquei a consciência no começo do artigo, mencionando-a como um agente de suma importância em nossa evolução. 

Acredito na condição, no mínimo, para um sistema ser dotado de consciência: amor próprio e fé. Sem amor próprio tal sistema não sobreviveria. E sem fé, ao menos por nós mesmos, nem sequer levantaríamos da cama! Não acreditaríamos em nós, em nosso potencial. 

Esses sentimentos funcionam como “suportes”, “amortecedores” naturais para um sistema consciente e foram criados pelas forças evolutivas. 

Mas a fé nos leva, pelo menos na maioria das pessoas, a acreditar em um ou mais deuses. E estes últimos foram uma constante em civilizações do passado e é comum em comunidades indígenas, aborígenes, aquelas vivendo na natureza sem a tecnologia tão utilizada por nós desde há muito tempo no mundo inteiro. Até hoje nossas sociedades, inclusive as indígenas, são em maior número de politeístas. 
É confortante para o homem acreditar em algo superior, transcendental, o ajudando, amparando. 

Ter consciência do mundo, da existência de uma separação entre nós e o nosso meio ambiente, pode levar-nos a uma solidão juntamente com uma insuportável crise existencial. O homem não aguentaria viver neste mundo sem algo de superior a acreditar.  

E aí chegamos em uma conclusão surpreendente a qual o leitor já deve ter concebido. Sendo a fé o sentimento que nos faz acreditar em seres imateriais, transcendentais, na qual se pode acreditar até no ato de criação de tudo existente em nosso universo, e sendo “suporte” para a consciência, então Deus e deuses foram e sempre serão criados pela mente humana! 


Referência: 
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1 – Carl Sagan. Os Dragões do Éden. 1977. Editora Random House, Estados Unidos (primeira publicação). 
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Artigos para leitura: 
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A base material dos sentimentos  
In english: The material basis of feelings < http://www.cerebromente.org.br/n12/opiniao/sentimentos_i.html >.
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A base material dos sentimentos - 02 < http://www.cerebromente.org.br/n13/opiniao/material.html >.
In english: The Material Basis of Feelings - 02 < http://www.cerebromente.org.br/n13/opiniao/material_i.html >.
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O porquê dos nossos sentimentos  < http://www.cerebromente.org.br/n14/opinion/material3.html >.
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O Porquê dos Nossos Sentimentos - 02 < http://www.cerebromente.org.br/n15/opiniao/sentimentos2.html >.
In english: Our feelings. Why do we have them? - 02 < http://www.cerebromente.org.br/n15/opiniao/sentimentos2_i.html >.
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Obs.: 
Esses artigos estão também no meu blog “Sistemas, Teoria da Evolução e Neurociências”:  
< http://sistemaevolucaoneurociencia.blogspot.com.br >.

segunda-feira, 19 de março de 2007

O relativismo religioso e o que existe por trás disto

Escrito em: 19/03/2007. 
Revisado em: 09/10/2018. 

Palavras-chave: Cristianismo, Islamismo, Hinduísmo, Budismo, Religião, Darwin, Edward Wilson. 

Cristianismo: a religião cristã. A maior do planeta com cerca de 2,2 bilhões de adeptos. Nela, Jesus Cristo é Filho de Deus e a Bíblia o livro sagrado onde Eles ensinam Suas palavras e Suas vontades a Seus seguidores. 

Islamismo: a religião muçulmana. Com um número aproximado de 1,3 bilhões de adeptos, Alá é o seu deus e Maomé o seu profeta. O Corão é o livro sagrado no qual o anjo Gabriel revelou a Maomé os ensinamentos e as vontades de Alá. Para os muçulmanos Jesus é apenas um profeta em nível terreno e humano. Diga a eles que Cristo é filho de Deus e você será motivo de gozação! 

Hinduísmo: aproximadamente 900 milhões de seguidores. Cultuam um grande número de deuses e deusas como Brahma, Vishnu e Shiva. Shiva destrói o universo enquanto Vishnu dorme boiando em um oceano. Brahma, em cima de uma flor de lótus, nascida no umbigo de Vishnu, reconstrói o universo. Existente há mais de quatro mil anos, o hinduísmo é diferente e muito do cristianismo e do islamismo. Não há um livro comum ou um conjunto de textos comuns seguidos pelos hindus, embora os Vedas e o Bhagavad Gita sejam bastante populares. Diga a um hindu que Alá é um deus e você será motivo de gozação! 

Budismo: possui entre 300 e 400 milhões de adeptos e se desenvolveu a partir de Sidarta Gautama, o Buda. As escrituras e ensinamentos budistas são complexos e variados, mas existe uma Lei de “Originação”, na qual todos os fenômenos do universo estão ligados entre si em uma infindável cadeia de interdependência. O budismo não reconhece nenhum deus criador, onipotente, onipresente e onisciente. Diga a um budista da tríade Brahma, Vishnu e Shiva, como os agentes criadores e destruidores do universo, e você será motivo de gozação! E também será motivo de gozação se disser a um cristão sobre a negação budista de um deus criador! 

Essas são as quatro religiões com os maiores números de adeptos no mundo inteiro. Não estou criticando certas "verdades" de cada uma, apenas, e isto não é pouco, mostro o quanto de ridículo pode existir se confrontarmos algumas ideias ou preceitos de cada uma entre seus seguidores. E coloquei em sequência partindo do islamismo estranhando o cristianismo, até este sendo ridicularizado pelo budismo. Uma circularidade patética devido às crenças de cada uma, ridicularizando as outras com suas próprias ideias absolutistas.  

Qual dessas religiões está certa em crenças, princípios e dogmas, etc.? E quanto às outras existentes? 

Edward Wilson, um dos criadores da sociobiologia, relata em seu livro “Da Natureza Humana” a criação de mais de 60.000 seitas e religiões criadas pelo ser humano. E podemos dizer sem dúvida alguma da certeza da existência de seguidores em todas elas com a mesma carga emocional de fé dos adeptos das quatro citadas acima. Não é porque, por exemplo, o cristianismo, sendo predominante em países avançados tecnologicamente e financeiramente, está correto em princípios e ensinamentos com respeito a uma seita indígena acreditando em deuses das florestas, rios céu, terra, etc. Encontraríamos índios com a mesma intensidade de fé em seus deuses como um grande sacerdote católico acredita no Deus cristão. Então, em resposta à pergunta do parágrafo mais acima, posso dizer: nenhuma está correta em relação à outra. E não adianta proferir aquela frase tão comum por aí: “as religiões se referem a um mesmo deus”. Existe o hinduísmo politeísta e o budismo sem nenhum deus. E a maioria das religiões até hoje foram politeístas! 

Existe sim uma relatividade enorme entre elas. E de absoluto a capacidade do homem em sentir e acreditar! E aqui está o propósito deste artigo. 

Em outro artigo meu, “E o homem criou Deus”, (1) falo da necessidade biológica do ser humano em acreditar em algo imaterial, muito poderoso, para não se sentir sozinho, indefeso e com um grande vazio dentro de si, com questões existenciais profundas, inexplicáveis, como “quem somos nós?”, “qual o sentido da vida?”, “por que existe o bem e o mal?”, etc.   As forças evolutivas selecionaram uma “muleta” emocional sem a qual o cérebro, consciente de si e do próprio corpo, pereceria com desequilíbrios emocionais decorrentes dessas questões e desse vazio angustiante. 

Falo de um sistema racional e emocional indo além de um sistema lógico. 

O medo da morte, segundo Wilson, fora o principal motivo do homem criar tantas seitas e religiões. E vou além. Todo ser vivo, consciente de si no universo, e, por isto, capaz de formular as questões existenciais acima, seria fraco demais se não houvesse essa “muleta” emocional a garantir sua sobrevivência. 

Claro, estou falando de Darwin. 


Referência: 
1 – Argos Arruda Pinto. E o homem criou Deus. 2007. Disponível em: < http://orelativismodasreligioes.blogspot.com/2007/10/e-o-homem-criou-deus.html >. Acesso em: 09/10/2018.