“Em uma comunidade há milhares de anos atrás havia um sábio. Não era irmão, filho ou parente do líder, mas este o tinha sempre ao seu lado pois precisava da sabedoria do velho homem que conhecia as pessoas e a região onde moravam como ninguém: tempestades, as épocas de frio intenso, como ensinar aos mais jovens sobre conviver com as pessoas da comunidade, como apaziguar conflitos, etc.
O sábio falava sobre revelações que tivera muitos anos atrás a respeito de algo perturbador presente na grande maioria do povo dali: de onde viera tudo o que os cercavam? Rios, florestas, lagos e… eles próprios! Dos pais, avós, mas, quem “surgiu” antes, os primeiros? E por que morriam? Por que não voltavam?
Dezenas, centenas de perguntas permeavam suas imaginações e isto os deixavam inquietos a ponto de ameaçarem a vida do sábio, do líder e, o que seria pior, a estabilidade da própria comunidade.
O velho homem, por sua vez, acalmava a todos devido às suas revelações onde um ente, algo muito diferente deles em forma, com muito poder, criou tudo à volta deles. Do chão ao céu, das águas às estrelas, para depois brilhar intensamente e se afastar e vir a ser o astro que aparecia todos os dias a observá-los de uma distância que não conseguiriam alcançá-lo. Controlava as chuvas, o calor e o frio, enchentes e seca, etc. A natureza era dele. E sobre a vida de todos, o poder desse ente era total: determinava quem nasceria, morreria, salvaria de doenças ou não.
Fora batizado de Creti por ele mesmo porque não dizia palavra alguma, apenas aparecia em sua imaginação e, para se referir a ele em suas histórias, o chamaria assim.
Existiam entidades divinas menores auxiliadores de Creti. Ora fariam uma ponte de comunicação entre ele e os homens, ora estariam à presença dos enfermos, ora à presença de reçém-nascidos, confortariam a todos os desvalidos; eram, enfim, servos às ordens do seu líder.
E Creti através do seu imenso poder de incitar a imaginação do sábio, passava a ele ensinamentos que serviam a toda a comunidade; ensinamentos como não praticarem o adultério, respeitar os mais idosos, viver em paz com a família, etc. Eram regras, leis, que o sábio fez questão de escrevê-las em papiros para todos terem acesso, e, mais: alguns cantos e orações de adoração a Creti faziam parte do conjunto de ensinamentos onde o sábio era o canal por onde tudo chegava às pessoas daquele povo.
Os costumes de pôr em prática esses ensinamentos eram benéficos a todos; uns mais, outros não, mas, proporcionavam esperanças àquela aldeia, sendo uma luz na vida de muitos. Confiança no velho homem, dedicação aos ensinamentos, etc., formavam um corpo sólido para a paz interior e de convivência daqueles homens e mulheres.
E havia discípulos onde todos esses ensinamentos passariam de pai para filho em uma continuidade sem fim. Havia homens com ideias contrarias mas por ter uma ótima oratória, ser convincente e estar ao lado do líder, os conhecimentos do sábio perpetuariam enquanto aquele povo se desenvolvesse, e, tornando-se uma civilização poderosa, influenciaria muitas outras, próximas ou longínquas. Haveria modificações nas escrituras, nas orações, etc., mas as ideias principais do velho homem se perpetuariam.”
Descrevo o surgimento de uma religião fictícia onde o leitor pode achar que faltam detalhes ou que não concorda com algo, mas disse em termos gerais e, tenho certeza, que o mesmo leitor, entenderá que é assim mesmo uma possível criação de algo dessa natureza. Para simplificar utilizei o monoteísmo embora a maioria das religiões até hoje foram e são politeístas.
Mas, digamos, que por questões várias, incluindo desejos de ver a comunidade bem, as pessoas mais felizes, experimentando o poder de controle e/ou influência, o sábio estivera mentindo todo o tempo sobre o estabelecimento dessas crenças. Com capacidade superior, sensibilidade, sabedoria, ele inventou o que seria o começo de uma religião obtendo mais poder na comunidade. Eu pergunto: em cima dessas crenças, alguém, se esforçando continuamente em concentração nas orações, cantos e rituais, não poderia melhorar a própria qualidade de vida, mexendo com o cérebro de maneira positiva? Afinal essa pessoa acredita e coloca muita fé no que sabe.
Por outro lado o sábio, acreditando e tendo fé, tinha certeza que tudo que passou para aquele povo era realmente a realidade revelada a ele por Creti. Ainda assim as práticas religiosas seriam benéficas a quem seguisse com determinação os ensinamentos.
Temos então duas situações. Na primeira, os valores religiosos das pessoas são falsos mas elas não sabem e acreditam no que realizam. Aqui acontece algo curioso: a carga emocional colocada nesses valores, fará que alguém, ao se esforçar continuamente em concentração nas orações, cantos e rituais, etc., poderia melhorar a própria qualidade de vida, mexendo com o cérebro de maneira positiva. Afinal estou falando de uma carga emocional muito grande.
Como posso afirmar algo assim? O Relativismo Religioso, como eu coloco neste blog.
Veja, atualmente existem mais de dez mil religiões¹, a maioria politeístas, mostrando que gente do mundo todo, sempre rezam, praticam rituais diferentes, adoram deuses diferentes, etc., e conseguem ajuda, a chamada ajuda “espiritual”, necessária e suficiente a um bem estar, um modo de se ajudarem em seus problemas.
Mas qual religião é a correta? Cada religião se diz absoluta, onde as outras são pagãs, erradas. Mas se são erradas por que então também funcionam para os seus adeptos?
Existem evidências, provas, que terapias e meditações, atuam no funcionamento de áreas do cérebro, modificando estruturas e/ou no próprio modo como como funcionam, como eu digo nos meus artigos “A meditação como neuroreligação”² e “A psicoterapia como neuroreligação”.³ Por outro lado, em outro artigo, “Neurociência e como se formam os valores religiosos em nosso cérebro”,4 descrevo a formação dos valores religiosos onde não é difícil entendê-los como algo oriundo da educação e do meio social-religioso de cada um. Eu digo: "a partir da infância uma criança terá os seus sentimentos 'canalizados' a acreditarem nos valores religiosos. Valores passados pelos pais, amigos, parentes, a religião local, as escolas, etc., enfim, seu meio ambiente social”. E um valor é um conceito com sentimentos. Como um só exemplo, a ofensa nas crenças das pessoas é algo forte, muito negativo, pois envolve sentimentos e emoções muito poderosos estabelecidos na cabeça delas desde crianças.
É possível sim que práticas religiosas, fundamentadas em valores religiosos diferentes, levem as pessoas a uma melhora do bem estar. Mesmo sendo valores criados, imaginados como verdadeiros e absolutos, e, é aqui o ponto crucial do que escrevo: não é necessário que os valores existam no sentido de que podemos prová-los cientificamente, que existam realmente ; basta acreditar, colocar fé.
Utilizar o cérebro, evocando valores que não sejam reais mas que suscitam poderosos sentimentos e emoções, são uma terapia para o ser humano, modificam áreas e estruturas cerebrais.
Na segunda situação, o próprio sábio acha que são verdades tudo aquilo passado por ele através de Creti e o próprio Creti. Na realidade ele imaginou, teve insights, mas fora da cabeça dele, da inteligência, sensibilidade, etc., e, tornando-se valores, passou a acreditar como coisas absolutas, passando adiante às pessoas. Morreria por esses valores.
Aqui também acontece o mesmo como no parágrafo anterior ao de cima.
Se o sábio foi um mentiroso ou se agiu corretamente, o efeito da prática da religião que ele formulou será o mesmo para todos.
As religiões se dizem absolutas, com suas verdades sendo realmente corretas mas o que existe por aí é uma grande relatividade, por que, então, qual será a correta? E como se sai desta situação? O que existe de absoluto mesmo é o fato do ser humano possuir a capacidade de acreditar e ter fé em valores criados em todas as partes do mundo e em todas as épocas, pelo funcionamento cerebral, visando a sobrevivência da espécie. E para tanto deixo uma lista de artigos que escrevi a respeito:
2 - "O meio ambiente social na formação das crenças religiosas" - http://meamsofocrre.blogspot.com.br/
3 - "Esclarecimento sobre a fé para os meus artigos" -
4 - "O surgimento de uma religião como uma necessidade humana" - http://orelativismodasreligioes.blogspot.com.br/2008/01/o-surgimento-de-uma-religio-como-uma_11.html
5 - "As bases do Relativismo Religioso como eu o vejo" - http://orelativismodasreligioes.blogspot.com.br/2013/07/texto-introdutorio-as-bases-do.html
6 - "A necessidade humana da religião" - http://orelativismodasreligioes.blogspot.com.br/2013/10/a-necessidade-humana-da-religiao_6.html
Outros artigos no mesmo blog: http://orelativismodasreligioes.blogspot.com.br
Notas:
1 - GOSPELPRIME - NOTÍCIAS CRISTÃS ATUALIZADAS. Disponível em:
<http://noticias.gospelprime.com.br/numero-de-religioes-no-mundo-passa-de-10-mil>. Acesso em: 22/12/2014
2 - “A meditação como neurorreligação”. Disponível em: http://neurorreligacao.blogspot.com.br/2016/10/a-meditacao-como-neurorreligacao.html . Acesso em: 19/04/2018
3 - “A psicoterapia como neurorreligação”. Disponível em:
http://neurorreligacao.blogspot.com.br/2016/10/a-psicoterapia-como-neurorreligacao.html . Acesso em: 19/04/2017
4 - “Neurociência e como se formam os valores religiosos em nosso cérebro”. Disponível em:
http://neurorreligacao.blogspot.com.br/2017/04/neurociencia-e-como-se-formam-os.html . Acesso em 19/04/2017
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