segunda-feira, 29 de julho de 2013

O que é o Relativismo Religioso na minha visão

O Relativismo Religioso é o fato de que cada religião toma para si as suas verdades como absolutas, considerando as outras religiões como pagãs, ou seja, erradas, tomando como falsas ou sem propósito, as verdades de cada uma delas, os valores religiosos. Mas o que existe mesmo é uma relatividade em tudo que existe por aí, porque, então, qual delas estaria correta? O que é absoluto seria correto, mas todas se dizem absolutas!

Elas consideram os seus deuses como as suas maiores verdades absolutas. Mas veja que são diferentes:

1 - O deus cristão não é o mesmo que os deuses do hinduísmo Brahma, Vishnu e Shiva;
2 - Alá, o deus do islamismo não é o mesmo que o deus cristão e dos hindus;
3 - O casal de deuses criadores das ilhas japonesas, berço do xintoísmo, a religião oficial do Japão, Izanagi e Izanami, não são os mesmos de todos acima. E assim acontece com todas as outras religiões. Qual deus é o verdadeiro? É relativo, depende de locais, épocas, estruturas sociais, etc., de onde eles foram inventados, mas isto para cada uma das religiões. Um só mesmo não existe...

A predisposição religiosa dos seres humanos é uma predisposição transcendental com sentimentos e emoções. Aliás, este, é um conceito generalizado, entrando na formação de qualquer religião.

Explicarei em duas partes, I e II, uma com conceitos lógicos e outra com os sentimentos e emoções:

I - Temos a capacidade de pensar, elaborar, um ou vários mundos à parte do nosso, ou junto, e que pode ser "habitado" por entes de diversas formas e até sendo amorfos, ou só um ente mesmo, que influi, interage conosco e com tudo. Isto é a transcendência e não significa que acreditamos nesse (s) “mundo (s)”, mas, como temos um cérebro provido de sentimentos, emoções, acreditar, fé, etc., cairemos em II:

II – Para simplificar direi a respeito só a um ente divino. Esse ente considerado como divino, seria responsável por muitos fatos que ocorrem na vida das pessoas, na Terra, no universo, etc., sendo base de todas as crenças, seitas e religiões criadas pelos seres humanos até hoje. O deus cristão é o exemplo mais próximo de nós porque o cristianismo e as suas vertentes é a religião com mais adeptos em nosso mundo ocidental.

Na minha visão do Relativismo Religioso, a existência de sentimentos e emoções, com o acreditar e a fé, não implica que existe (m) ente (s) divino (s), mas sim uma capacidade do nosso cérebro em manter este estado de coisas para ele continuar "funcionando", trabalhando de modo satisfatório. Como digo em meus artigos, temos recursos neuronais possuindo a capacidade de dar margens a muitas crenças para os seres humanos lidarem com questões existenciais, sociais, etc.


E também pelo fato das crenças que conhecemos terem algumas similaridades, dá a impressão que existe o sobrenatural e que nós temos a capacidade de chegar até ele. Mas não, é justamente ao contrário: essas similaridades existem porque a condição humana na Terra sempre fora igual para todos os povos, em todas as épocas e locais: sobreviver. Então inventamos coisas parecidas, mas não iguais: as religiões, que variam de povo para povo. E aqui entram a Teoria da Evolução e a Neurociência.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

As bases do Relativismo Religioso como eu o vejo

O assunto Relativismo Religioso é bem complexo e se faz necessário  algo bem organizado, um esquema com declarações enumeradas, como tópicos, itens, sobre fatos científicos e ideias próprias, para um melhor entendimento do leitor.

Não encontro nada relacionado a ele em sites brasileiros e noto, sem ser pretensioso falta de compreensão por parte até daquelas pessoas acostumadas com os assuntos da neurociência, teoria da evolução e religiões, em conjunto.

Vejo fortes discussões em muitos sites da internet a respeito de dezenas, centenas de argumentos profundos a favor do cristianismo ou outras religiões, junto com as ciências ou não, mas, aqui, não se faz necessário compreender a fundo as crenças e os dogmas das religiões e sim os aspectos básicos de onde se fundamentam. Mas das ciências sim! Note que falo em religiões no plural porque este assunto não diz respeito somente ao cristianismo, como estamos acostumados a ele, porque é predominante em nosso mundo ocidental, mas com todas, com qualquer uma das religiões presentes no mundo todo e em todas as épocas.

Então eu digo:
  
1 – Possuímos a capacidade de abstração e uma das suas propriedades é a transcendência (I), onde conseguimos imaginar que exista um ou mais planos, mundo (s), junto (s) ou afastado (s) de nós, interagindo ou não conosco, embora podemos não acreditar que exista (m).

2 - Nesse (s) mundo (s) conseguimos imaginar, mas não acreditarmos se quisermos, em um ou mais ente (s) divino (s), criador (s) do (s) nosso (s) universo (s) e responsável por essas interações.

3 - Então, para uma pessoa, em termos gerais, de população, ela precisa ter a capacidade da transcendência para depois imaginar algum ou mais entes divinos. Estes três itens pertencem à função racional, lógica, do nosso cérebro, para os argumentos aqui, e, mesmo se houver sentimentos nesses processos, me preocuparei apenas e suficientemente com a racionalidade.

4 - Agora, nossos sentimentos e emoções serviram a nossa sobrevivência como espécie no planeta,  sejam eles individuais ou sociais.

5 - Eles vêm de interações físico-químicas sendo funções, funções orgânicas que produzem sensações.

6 - O acreditar e a fé (II) (A) são sentimentos, servem ao mesmo propósito do item 04, sendo duas sensações relacionadas entre si, possuindo uma diferença sutil entre elas. Uma pessoa pode acreditar em um (s) ente (s) divino (s), mas não ter, ou ter nele (s) pouca fé. A maioria das pessoas acredita e possui muita fé. Outros nem acreditam. Mas nós humanos, no mínimo, acreditamos em nós mesmos. Não fosse assim, nem levantaríamos da cama para lutarmos pelas nossas vidas.

7 - Qualquer ser no universo, dotado de sentimentos, emoções, inteligência e consciência, têm que possuir amor-próprio. Na verdade podemos pensar nele como uma extensão do instinto de sobrevivência dos outros animais, porque serve a um cérebro mais complexo, fazendo com que o ser humano não se destrua. Consciência como em nós humanos e amor-próprio andam juntas, como acredito para qualquer outro ser semelhante a nós.

8 - Então, que tipo de ser no universo, dotado de consciência e amor-próprio, mas sem a transcendência e do acreditar e da fé, não sucumbiria, devido a desequilíbrios emocionais, originados de questões profundas como as perguntas "de onde viemos, para onde vamos como espécie, qual o significado da vida, por que estamos aqui, e, a mais aterrorizante delas: o que existe e para onde vamos após a morte?". Afinal a consciência nos dá esta capacidade de questionamento e o amor-próprio, porque serve a nossa e a qualquer proteção própria, precisarão da transcendência e do acreditar e da fé para atribuir a entes divinos e todas as manifestações e realizações desses, para responder a essas questões e muitas outras, fora do controle de sua vida e da sua volta, em seu meio ambiente social e/ou natural. Não há outra saída...

9 - Mas veja, será então que a nossa mente/cérebro, possuiria a transcendência, o acreditar e a fé apenas como "amortecedores" naturais, nos enganando, pois não há o sobrenatural, para nos sentirmos aliviados de tantas questões cruciais? Acontece que aí  entramos no campo da abstração, sentimentos e da poderosa evolução, onde, acredito, possuem poderes para tanto porque está em jogo a perpetuação da espécie humana na Terra.

10 - Mas o que são em essência, a abstração, a transcendência, o acreditar e a fé, senão interações físico-químicas originados da nossa atividade neural com a liberação ou não de substâncias químicas como hormônios e neurotransmissores?

Conclusão:

De (I) - transcendência e (II) - o acreditar e a fé, temos que qualquer cérebro, consciente de si e com amor-próprio, terá que possuir estas propriedades para sobreviver a despeito de muitos questionamentos importantes, decisivos, que o levaria a ficar doente, comprometendo também a sobrevivência do próprio corpo, que o possui junto a ele.


Assim, em todas as épocas e lugares, seres humanos criaram histórias, valores religiosos, inventaram crenças, dogmas, tentaram explicar muitos fatos naturais ou do cotidiano com ideias sobrenaturais, em que o conjunto delas se tornaram seitas e/ou religiões. Veja então que a fé é um sentimento, uma convicção, em cima de conceitos abstratos relativos a cada povo, arraigados na mente das pessoas desde quando crianças.


Algumas religiões obtiveram mais adeptos, algumas delas mais adeptos em outras épocas. Mas, a base do que eu escrevo é que todas dizem serem elas absolutas, e as outras, pagãs, erradas.

Na verdade tudo é relativo. Não há religião com verdades absolutas. A única verdade absoluta no ser humano é que essa capacidade de transcendência e do acreditar e ter fé foram selecionadas pela evolução para o sistema nervoso central não entrasse em colapso. O ser humano não sobreviveria, mal deixaria descendentes, etc., com um cérebro defeituoso, confuso e perturbado, com verdadeiros delírios acerca das questões mencionadas no item 08. Ele tem que jogar, colocar nas mãos de ente (s) divino (s), junto com a criação de outros valores religiosos em que acredita com muita fé, para se estabilizar emocionalmente. Sempre foi assim. É uma das faces mais importantes, talvez a mais, da condição humana.


Considerações:


A - Ler "Esclarecimento sobre a fé para os meus artigos" - Neste blog: http://orelativismodasreligioes.blogspot.com.br/2014/04/esclarecimento-sobre-fe-para-os-meus.html

B - Veja que coloco as palavras "ente", "divino" e "criador" em minúsculas porque faço referência a todos os deuses de todas as religiões, sendo cristãs ou não, monoteístas ou politeístas, etc., pois este artigo é de caráter geral.

C - Não incluo dogmas, conceitos, crenças, etc., de nenhuma religião em particular, pois, repito, sendo este artigo de caráter geral, digo apenas ente (s) divino (s) porque ele (s) é (são) o (s) "centro (s)" de todas elas.

D - (24/06/2013): Faz-se necessário uma observação importante sobre o fato de que a grande maioria das religiões acredita em um ou mais criador (s) do (s) universo (s) a nossa volta e também de nós mesmos.

Será coincidência ou os nossos cérebros foram realmente projetados por um ente divino, ou vários, para acreditarmos no sobrenatural, nesse (s) próprio (s) ente (s)? Existem e existiram muitas crenças e religiões para acreditar nesta segunda questão. Se não, todos os seres humanos em todas as épocas acreditariam em um só ente divino ou em vários deles, especificamente iguais! Quem projeta não faz para confundir.

E sobre a coincidência?

Melhor analisar a condição humana da época em que éramos caçadores coletores até a formação das primeiras civilizações e entendermos muitos fatos que aconteciam no mundo todo. Coincidência seria simplificar demais.

Os humanos começaram a fabricar utensílios, armas, objetos decorativos, etc., e o faziam com matéria-prima do solo, de galhos de árvores, etc., mas também questionavam certos fatos.

Darei dois exemplos. (A'): uma fôrma de barro para armazenar água. Eles viam que esse objeto, avançadíssimo para a época e muito útil porque facilitava o uso direto da água, vinha de uma lama, de um local no chão, pertencente ao lugar onde estavam e, então, de onde veio esse local e tudo o mais em volta? Alguém fez o objeto. Mas alguém teria criado todo o resto. (B'): uma lança de madeira de um galho de árvore: também útil porque podiam caçar e abater animais grandes com mais facilidade. Mas eles notavam que as árvores cresciam do solo e que embora outras, maiores, parecessem não crescer, estavam fixas no solo. E de onde veio o solo? Tudo cria tudo, tudo provém de tudo e, óbvio, questionavam, todos os locais que conheciam vinham de algo ou alguém que os criara.

E as pedras tão úteis para rasgar couro, pele, carne, colocá-las nas pontas das lanças? Vinham de outras pedras ou do solo. Metais? De rochas com o uso do fogo oriundo do atrito de rochas especiais com folhas secas em que essas folhas eram de árvores e as rochas do solo, do chão.

Faz parte da nossa natureza humana, e isto não é novidade, de sempre perguntarmos de onde veio tal objeto, quem construiu, como, para quê e muitos "etc." a respeito de... Tudo! Quem criou tudo?!

Para mim é completamente natural pensar, supor que o ser humano vivia querendo respostas a respeito de tudo a sua frente, e, algo, era ainda mais perturbador: todas as pessoas vinham de uma mulher... Mesmo antes de saberem da importante parceria do homem para fazer um filho, de onde vinham as mulheres? De outras, que vieram de outras... E os homens vinham de mulheres. Alguém as fez lá no passado. Lógico que quando descobriram o valor do sêmen do homem, ainda ficava a questão: de onde vieram os dois? Alguém ou algo muito maior que eles teria feito, criado. Algo então poderoso, invisível porque realmente não viam nada, talvez criando o mundo também. Ou vários entes realizando cada um a sua obra.

Os caçadores coletores conheciam as leis da física, da química, da biologia, o DNA, a reprodução, etc.? Então, nada mais coerente pensar que criaram muitas histórias que se tornaram crenças, seitas e religiões.


E - (04/07/3013): Na primeira nota acima eu falo mais sobre a criação, de onde veio tudo que nos cerca e nós mesmos. Claro que religião não é só isto. Qualquer uma delas discorre sobre o bem e o mal e realmente estes dois conceitos são muito importantes, pertencentes as nossas vidas não só individuais como também sociais.

Considero como gosto de fazer, a análise primeira, primordial, ao que se referem estas duas concepções do meio ambiente, natural ou social, influindo em todos os seres vivos incluindo a nós, os humanos, fazendo uma ressalva do também importante estímulo interno como as doenças, defeitos congênitos, etc. Veja, uma substância química tóxica conseguindo vencer a barreira que uma membrana celular impõe, sendo um organismo unicelular ou não, é um mal, da mesma maneira que um assaltante com uma arma apontando a você e querendo a sua carteira. Ambos são estímulos negativos do meio ambiente que os cercam: mudam-se os protagonistas, os meios ambientes, as formas em que o mal age etc., mas a ideia é a mesma.

Então, desde que o primeiro ser vivo apareceu na Terra, há mais ou menos 3,8 bilhões de anos, ele estava na condição ambiental e de si mesmo em receber estímulos negativos e positivos. Foi assim mesmo quando do aparecimento das plantas pluricelulares, animais pluricelulares e até nós. Na verdade somos indivíduos sociais como outros animais e também daí vêm os estímulos positivos ou negativos do meio ambiente social. Nossa condição humana, sempre esteve, a mercê desses estímulos e a evolução agiu em todos os seres com esse fato.

Indo além, se algum (s) ente (s) divino (s) criou (aram) os primeiros homens e mulheres, ele (s) o (s) fez (fizeram), no mínimo, por amor, com carinho e cuidado. Mas aqui entra uma questão difícil de ser solucionada e que as religiões explicaram com muitas ideias diferentes: como colocar homens e mulheres em um mundo com estímulos positivos, mas...  Também negativos? Quem realizaria tal absurdo, com pessoas vivendo suas alegrias, felicidades, mas com muitos sofrimentos devidos a esses estímulos contrários, incluindo aqueles que os levariam à morte? Quem quer morrer? É aí que cada uma delas inventou uma maneira de explicar tamanha contradição.

No Gênese da Bíblia, o principal livro do cristianismo, Deus proibiu o homem e a mulher de comer do fruto da árvore proibida porque, caso contrário, seriam expulsos do paraíso de onde viviam. Eles experimentaram de uma fruta e pronto, eles e todos os descendentes passaram a viver com e sem dores, junto ao Bem e ao Mal em conjunto.

Para mim está clara a tentativa de explicação, a posteriori, de quem escreveu o Gênese, para, a partir de um Deus como a figura do Bem, se entender como as pessoas viviam  e vivem em locais, meios ambientes, muito diferentes de um paraíso...

Carl Sagan e o Relativismo Religioso como eu o vejo

Carl Edward Sagan (09/11/1934 - 20/12/1996) foi astrônomo, astrofísico, antropólogo, biólogo, astrobiólogo e escritor estadunidense, responsável por muitos livros de divulgação científica, talvez o maior deles junto a Isaac Asimov. E ainda contribuiu com as missões espaciais Pioner, Mariner, Viking, Voyager e Galileo, recebendo medalhas condecorativas pela Nasa.

É dele e de alguns colaboradores, nas missões Pioner 10 e 11, respectivamente lançadas em 1972 e 1973, a concepção de uma placa revelando a figura de um homem e de uma mulher, representando a espécie humana com a nossa posição em relação a uma estrela, o Sol, se caso essa pequena nave-robô for interceptada por seres extraterrestres. Hoje a Pioneer 10 está na constelação de Touro, por volta de 12-13 bilhões de km de nós, e as fontes radiativas para emissões eletromagnéticas com informações do cosmo já estão fracas demais para chegarem até aqui.

Em 1977, Sagan ganhou o Prêmio Pulitzer pelo livro "Os Dragões do Éden", uma obra tão avançada que reunia  antropologia, paleoantropologia, evolução, ciências da computação e neurociência para entendermos a evolução do nosso cérebro.

Foi também responsável pela série de TV "Cosmos", baseada em livro de mesmo nome e que se tornou o maior best-seller de divulgação científica pela língua inglesa.

Lecionou em Harvard e na universidade de Cornell. Cético, racionalista por excelência, Carl Sagan se declarou certa vez como agnóstico, e escreveu também sobre ciência e religião relacionadas. 

O livro "Variedade da Experiência Científica" - Uma Visão Pessoal na busca por Deus, é uma edição feita em 2008, pela sua última mulher, Ann Druyan, de nove palestras em que ele participou nas famosas Gifford Lectures - Palestras Gifford -, na Escócia. São encontros onde o tema é a teologia natural, um modo de se estudar a teologia não por experiências ou revelações místicas, mas sim pela razão e a experimentação.

No capítulo seis, "A Hipótese da existência de Deus", ele questiona certos aspectos racionais da existência ou não de Deus e foi aí que eu, ao ler esse capítulo, me deparei com ideias dele que tem a ver com o que escrevo sobre o relativismo religioso.

Então transcrevo abaixo, nas palavras dele, evidentemente, uma pequena parte do capítulo, onde marco frases e faço uma analogia com as minhas exposições sobre o assunto em diversos textos meus. 

“É grande a variedade de coisas em que as pessoas acreditam. Religiões diferentes acreditam em coisas diferentes. É uma caixinha de surpresas de alternativas religiosas¹. E claramente existem mais combinações de alternativas do que religiões, embora existam hoje alguns milhares de religiões no planeta. Na história do mundo, existiram provavelmente dezenas, talvez centenas de milhares, se pensarmos nos ancestrais coletores-caçadores, quando uma comunidade humana típica tinha cerca de cem pessoas. Naquela época havia tantas religiões quantos fossem os bandos de caçadores-coletores, embora as diferenças entre eles provavelmente não fossem tão grandes assim. Mas ninguém sabe, pois, infelizmente, não temos praticamente nenhum conhecimento sobre em que acreditavam nossos ancestrais na maior parte da história da humanidade neste planeta, porque a tradição do boca a boca não é a mais adequada, e a escrita não tinha sido inventada.

Assim, considerando essa variedade de alternativas, uma coisa que me vem à mente é como é impressionante que, quando alguém tem uma experiência religiosa que provoca sua conversão, é sempre para a religião ou para uma das religiões mais comuns em sua própria comunidade. Há tantas possibilidades... Por exemplo, é muito raro no Ocidente que alguém tenha uma experiência religiosa que leve à conversão para uma religião em que a principal divindade tenha cabeça de elefante e seja pintada de azul. Raro mesmo. Mas na Índia existe um deus azul de cabeça de elefante que tem muitos devotos². E não é tão raro assim ver imagens desse deus. Como é possível que a aparição de deuses-elefantes se restrinja à Índia e só aconteça em lugares onde haja forte tradição indiana? Por que as aparições da Virgem Maria são comuns no Ocidente, mas raramente ocorrem em lugares do Oriente onde não há tradição cristã pronunciada? Por que os detalhes da crença religiosa não ultrapassam as barreiras culturais? É difícil de explicar, a menos que os detalhes sejam totalmente determinados pela cultura local e não tenham nada a ver com algo de validade externa.

Em outras palavras, qualquer predisposição preexistente à crença religiosa pode sofrer poderosa influência da cultura local, não importa onde a pessoa tenha crescido. E, especialmente se as crianças forem expostas desde cedo a um conjunto específico de doutrinas, músicas, artes e rituais, a coisa fica tão natural quanto respirar, e é por isso que as religiões se empenham tanto em atrair os muitos jovens"³.

Comentários:
1 - Aqui está algo que todas as pessoas sabem. Mas neste blog, "O Relativismo Religioso - Como Eu o Vejo", (http://orelativismodasreligioes.blogspot.com.br), precisamente no meu artigo "O Relativismo das Religiões e o que Existe por Trás Disto", publicado em 19/03/2007, eu digo, logo nos primeiros quatro parágrafos, de uma circularidade patética se pessoas do Cristianismo, Islamismo, Hinduísmo e Budismo, falassem, e sem precisar de detalhes, a cada uma delas de cada vez, sobre como são as crenças básicas de si próprias. Um cristão para um islâmico, deste para um hindu, deste para um budista e este chegando ao cristão. Imagine então se falassem de detalhes como ritos, dogmas e crenças.

O meio ambiente social cristão ensina aos seus filhos no que acreditarem e no que é certo e errado. E assim é com todos de todas as religiões, destas citadas por mim, de outras pelo planeta e aquelas que já não existem mais. Sempre foi assim e sempre será. 

O Deus cristão, o deus islâmico Alá, os muitos deuses do hinduísmo e a concepção mais filosófica do universo segundo o budismo são todos diferentes entre si e cada uma destas religiões julgam serem as suas verdades como absolutas e, as outras, pagãs, erradas. E há uma certa confusão entre o cristianismo e o islamismo, dizendo se tratar de Alá e Deus  como sendo o mesmo. Alá enviou mensagens ao profeta Maomé, através do anjo Gabriel, para que o livro sagrado, o Corão, fosse escrito. Já Deus é Pai de Cristo, sendo este o messias do cristianismo, e, para o Islã, Cristo é apenas um profeta em nível terreno, humano. Não se trata, de jeito nenhum, de um mesmo deus.

2 - Imagine se um cristão, aqui no Ocidente, dissesse que uma divindade aparecera para ele revelando como deveria agir, com a sua vida atual, conturbada por perdas materiais de extrema importância. Imagine então se ele a  descrevesse como sendo uma cabeça de elefante e azul! Vamos ser sinceros? Vamos ser verdadeiros? Seriam somente risadas, não é mesmo? O chamariam de louco, mentiroso ou ridículo. Aliás, todas as ditas aparições de santos, divindades, etc., que ouvimos falar desde as nossas infâncias, são de entidades cujas características são aquelas em que aprendemos em nosso meio ambiente social, ligadas ao cristianismo, ou seja, aparece somente aquilo que aprendemos. 

Aí está um grande exemplo de como as pessoas julgam o que acreditam, pois assim aprendem serem verdades absolutas, mas, se pensarmos melhor, são relativas, são de origens locais, ou, no máximo, que vieram de longe, mas obtiveram adeptos o suficiente para se perpetuarem no meio ambiente social delas.

Eu trato deste assunto em praticamente todos os artigos neste blog.  Tenho até dois, em especial, que se chamam "Neurociência e como se formam os valores religiosos em nosso cérebro" e "O meio ambiente social na formação das crenças religiosas", sem falar no meu texto principal, o início do blog, "Texto Introdutório: as bases de como eu vejo o Relativismo Religioso".

3 - Carl Sagan usa sabiamente a expressão "a coisa fica tão natural quanto respirar" para dizer da influência dos valores religiosos se forem ensinados às crianças, desde muito cedo.

No meu texto "Neurociência e como se formam os valores religiosos em nosso cérebro", eu digo: "Veja os valores religiosos: informações chegam a uma criança, no próprio meio ambiente social, às dezenas, centenas, sempre, como fatos absolutos da religião local e, quando ela as memoriza e passa a senti-las, levando-a a uma ação ao receber um estímulo, elas estarão definitivamente concretizadas em sua mente. Na verdade os valores ficam com a criança como memórias de emoção. No decorrer da vida alguns [desses valores] podem mudar ou não, podem se intensificar, etc.". Até falo em uma maneira natural que acontece com todos nós em nossos meios, mas, imagine então se as crianças também estiverem sob uma educação religiosa com professores, com pessoas capacitadas para o ensino da religião local.  

A força da educação, da cultura local é muito poderosa. Ela atrai, influencia, muda comportamentos, porque ninguém nasce com a religião de sua cultura na cabeça. Não é como, por exemplo, o instinto de sobrevivência, o medo, a agressividade, que são natos. 

Sagan foi muito corajoso em dizer "... é por isso que as religiões se empenham tanto em atrair os muitos jovens". Elas sabem da importância da educação religiosa para as crianças, tanto é que ele fala no trecho: "a coisa fica tão natural quanto respirar". Ou seja, com a cabeça "feita", está "feita" para sempre! Exceções não contam porque são raríssimas. Falo de populações. 


Bibliografia:


SAGAN, Carl. Variedades da experiência científica: uma visão pessoal da busca por Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 171-172.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Texto geral

Este texto inicial é um resumo do que eu digo em todos os artigos deste blog. Defendo as seguintes ideias: cada religião toma para si as suas crenças como verdades absolutas, desprezando as crenças das outras e ainda as chamando de pagãs. Isto é fato. O meio ambiente social do indivíduo é quem irá influir nas crenças de cada um. Por exemplo: ninguém nasce com o deus cristão na cabeça, Alá, o deus muçulmano, os muitos deuses do hinduísmo, xintoísmo, etc.

Mas o que existe de absoluto mesmo é a capacidade de nós humanos em acreditarmos, possuirmos fé, e, por quê? Veja, ninguém sobreviveria sem acreditar em algo superior que os formou, que criou o universo, a fauna e a flora do planeta, o que existe após a morte etc. Seríamos acometidos de um vazio existencial a colapsar nossas mentes com angústias, ansiedades, depressões etc.

Mas, e os descrentes? Bem, eles acreditam em si próprios! Possuem fé, mas não crenças. Sem esse sentimento eles não buscariam objetivos, nada valeria a pena, ou seja, suas mentes e suas vidas não resistiriam.

Esse acreditar e a fé, natural de nós, humanos, vêm do próprio funcionamento cerebral do sistema límbico (emoções, sentimentos) e do córtex (a parte racional), se não o sistema mais complexo que existe, o cérebro, não iria funcionar direito. Eles foram adquiridos por nós através da evolução para que a nossa mente não entrasse em colapso significando a sobrevivência da própria espécie. É o transcender, em "pensamentos", do nosso mundo material, incluindo sentimentos.

Uma criança vem ao mundo com o cérebro limpo de informações e da cultura do seu país de nascença. Esse meio ambiente, incluindo além dos pais e escolas, irá ensinar o que existe de sobrenatural, para ela exercer a sua religião que é a mesma de todos ali. Claro que ela poderá um dia mudar de crenças, mas mesmo assim ela levará ainda muito do que aprendeu na infância e adolescência para o resto da vida.

Todos os povos que já existiram inventaram religiões e crenças desde que o ser humano fora dotado de inteligência, consciência e de um lado sentimental-emocional. Por volta de 60.000 como está no livro "Da Natureza Humana", de Edward O. Wilson. Este autor cita o medo da morte e o que vem depois como uma das principais causas de se inventar tantas religiões. Podemos falar também em questões como: o que fazemos em nosso mundo, qual o significado de nossas vidas, existe uma única razão para estarmos aqui? Se os seres humanos não possuírem a capacidade de "invocarem" as respostas dessas questões a algo superior, suas mentes entrariam em colapso.




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O meio ambiente social na formação das crenças religiosas

Este artigo é um complemento necessário para todos aqueles presentes neste blog. Ele é de sentido geral no que diz respeito ao saber sobre, além do meio ambiente natural, sobre o meio social, que forma indivíduos, valores, regras de comportamentos, caráter, personalidade e, ao que mais interessa aqui, a formação das crenças religiosas nas pessoas.

Em meu artigo "O paradoxo dos gêmeos religiosos", neste blog, eu cheguei brevemente a entrar no assunto, mas senti a necessidade de um texto voltado só a este tema.

A grande maioria das pessoas não sabe como é de verdade a Teoria da Evolução e seus mecanismos. No exemplo simples de se falar em mudanças no meio ambiente com seleção natural dos mais aptos já complica tudo. Imagine então falarmos no cérebro, na evolução do sistema nervoso. Fica ainda mais difícil falar que todos os nossos sentimentos "serviram" à evolução¹, e a fé, por ser um deles, é força de base das crenças onde estas são relativas, dependem de onde as pessoas nasceram, cresceram, tiveram as suas educações e formação das suas personalidades.

Então, primeiro temos a fé, o acreditar, como sentimentos "brutos". Conforme crescemos vamos aprendendo com os nossos pais, amigos, escolas, a igreja, enfim, o nosso meio ambiente social, sobre valores religiosos. Pessoas que nasceram no Brasil em famílias cristãs e católicas e aprenderam, como a maioria dos amigos, parentes etc., sobre Deus, Cristo, a Bíblia, a redenção, os Dez Mandamentos, etc., passarão, de uma hora para a outra, a crer e terem fé em valores de outras religiões, nelas mesmas e algumas politeístas como o hinduísmo? Não! Algumas pessoas até mudam de religião, mas aí podemos falar em um fato estatístico: os 2,3 bilhões de cristãos no mundo se tornarão hindus de uma hora para outra? E os 1,2 bilhões de hindus se tornarão cristãos? Falo no número total de seguidores ou na grande maioria e, por isto, são exceções, pouca gente, não se leva em consideração porque são casos isolados.

Aí vem outra questão: pessoas cristãs, que foram ou que são felizes por praticarem o cristianismo, poderão ser somente elas realizadas espiritualmente?².  Não! Da mesma forma, pessoas do hinduísmo, e não só elas, mas também islâmicos, budistas, xintoístas, etc., poderão ser apenas elas felizes e realizadas espiritualmente? Não! E cada uma dessas religiões considera as próprias verdades como absolutas, e, sobre as outras, as chamam de pagãs, mesmo se houver respeito entre elas.

Mas cada pessoa destas religiões foi criada em um meio ambiente social em que aprendeu as verdades da religião local de forma absoluta como eu disse no terceiro parágrafo... Os sentimentos delas foram direcionados, canalizados a aceitarem, respeitarem, a acreditarem no que essas religiões passaram em forma de ritos, informações, conceitos, dogmas, etc., ou seja, em toda uma forma de educação religiosa. E quando digo sentimentos direcionados, quero dizer o seguinte: primeiro você ensina a uma criança sobre a religião (a sua local, claro), as crenças, as "verdades", etc. Depois ela, acreditando e confiando nesses ensinamentos, passa a ter fé no que aprendeu; segue a religião local com devoção, veneração.

E as primeiras crenças dessas religiões que cito neste texto de onde vieram? Da eterna busca do ser humano por respostas sem soluções imediatas até hoje: quem criou tudo a nossa volta? Quem somos nós? Para onde vamos após a morte? Há vida depois da morte? Isto tudo em todo o mundo e em todas as épocas. Não é à toa que já se registraram mais de sessenta mil religiões e seitas em nossa história pelo planeta. E qual seria o meio ambiente social quando dessas primeiras crenças? Havia algum? Qual (s) seria (m)?

Sim, havia; eram nossos antepassados que passaram da época de caçadores coletores, grupos de pessoas, a tribos e depois para algo mais parecido com a estrutura das cidades de hoje. Eles também se perguntavam, filosofavam e formulavam respostas  sobre essas questões existenciais. Mas não era só isto: a moral, a ética, regras, etc., tomavam corpo junto com as crenças. O que não são "Os Dez Mandamentos" como também algo para se tentar viver melhor em sociedade? "Não roubarás, não matarás...". Há cerca de sessenta mil de anos atrás, o ser humano já se preocupava com o "além da morte", como mostram registros arqueológicos de um funeral do homem de neandertal. Se se preocupavam em realizar funerais é porque também meditavam sobre outras questões de suas existências.

A odisseia do homem no planeta veio acompanhada de tentativas de respostas a essas questões profundas desde o dia em que ele mesmo tomou consciência de si e do mundo a sua volta. Quem sou eu, o que faço aqui e o que é tudo isto ao meu redor, quem é o outro, certamente deu início a tudo o que viria depois: crenças, religiões, a ética, a moral, as regras de comportamento, etc.

Somos, em grande parte, fruto do meio em que vivemos. Meio ambiente social.


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Notas:

1 - Ver os meus artigos na revista eletrônica "Cérebro&Mente" - "Brain&Mind" - www.cerebromente.org.br -, de neurocientistas da UNICAMP - Campinas - Estado de São Paulo - Brasil:

"O Porquê dos nossos Sentimentos"

"O Porquê dos nossos Sentimentos – II”

Estes artigos estão também em:


2 - Neste texto digo "espiritualmente", mas, na realidade, é tudo psicológico, emocional, fenômenos estudados pela Psicologia, Psiquiatria e a Neurociência.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O paradoxo dos gêmeos religiosos

Escrito em: 12/12/2008.  
Atualizado em: 27/09/2018.

Palavras-chave: religião, relativismo religioso, cristianismo, hinduísmo, xintoísmo, paradoxo. 

A ideia deste artigo havia faz tempo, mas um fato corroborou com a minha iniciativa em escrevê-lo: até pessoas com nível educacional superior podem se enganar a respeito de como os dogmas ou os ensinamentos das religiões, elas próprias, se processam em suas mentes. O fato foi a frase "é genético", como se você, por ter sido filho de pais católicos, por exemplo, nascera católico, mesmo sem saber muitos detalhes dessa religião. 

Esse assunto surgiu entre amigos os quais a maioria deles, estávamos em oito, não sabia de onde vieram as suas crenças, suas verdades religiosas, seus valores religiosos e aqueles secundários, terciários, ou mais, oriundos dos primeiros.  

Mas, nascemos já com a religião dos nossos pais, do nosso meio social, o nosso meio ambiente social, de amigos e mesmo de pessoas desconhecidas, às vezes nos falando sobre assuntos pertinentes a ela? A resposta é: claro que não! 

Uma criança indiana de seis anos de idade acaba de aprender o nome dos três deuses criadores e destruidores do universo, Brahma, Vishnu e Shiva. Ela não registrará essa informação em seus genes e sim na memória. Não irá passar para seus descendentes essa informação só se... Ensinar a elas! E aqui está o ponto de máxima deste artigo: a educação e a formação de valores religiosos baseados em condições culturais são a base a levar as pessoas a formar suas ideias, verdades, dúvidas, crenças, etc., a respeito de suas religiões. 

Uma criança católica aprendendo aos sete anos o valor da sua presença em uma missa, da igreja de seu bairro, transmitirá essa informação com seus sentimentos aos filhos de maneira genética? Não! Terá que ensinar-lhes! 

Podemos pensar em uma experiência, embora nunca a colocaríamos em prática devido às questões humanas e éticas, morais e legais nela implicadas: dois gêmeos são separados ao nascerem. Um é levado a um país muçulmano e outro ficaria no Brasil. Seriam criados por famílias diferentes, em contextos sociais diferentes. Após uns trinta anos se encontrariam. 

Sem realizar essa experiência, sabemos do possível resultado de um estranhar a religião do outro. O brasileiro concorda com a relação de Pai e Filho entre Deus e Cristo e este veio ao mundo para nos salvar. A Bíblia é o seu livro sagrado no qual existem ensinamentos dos Dois. O muçulmano dirá sobre Cristo - e aqui já começa a briga – como um profeta em nível terreno e humano. Maomé é o verdadeiro messias, quem escreveu um livro sobre tudo da vontade do deus Alá para o povo na Terra. O livro é o Corão e nem queira o brasileiro dizer a ele do quão errado é esse livro sobre a nossa realidade nesse mundo! 

Quem está certo? Cada um se achará certo. E quem muda este estado de coisas? Ninguém! Os gêmeos não se entenderiam, poderiam se respeitar pois são irmãos, etc. Muitas são as situações possíveis decorrentes de uma história assim, mas um fato é verdadeiro: mudar as crenças tanto de um como as do outro seria quase impossível. Digo quase porque um cristão pode se converter em muçulmano e vice-versa, mas vemos por aí uma indiferença quase total de pessoas religiosas quanto às crenças de outra religião. 

Lembrando da minha infância, logo quando comecei a tomar consciência do mundo, depois dos quatro anos, vejo em memória eu e meus pais entrando na principal igreja católica da cidade. Eu admirava aqueles santos nas paredes e minha mãe dizia algo sobre a história deles, simplificadamente claro, pois eu era uma criança. Aquele lugar foi o ambiente mais bonito conhecido por mim até então e aprendi da importância daquele tipo de local para louvor e adoração a Jesus Cristo e Deus. 

Lembro das festas natalinas. Qual criança não gosta de presentes? Qual criança não gosta das comidas típicas dessas datas? Mas aprendia sobre o dia vinte e cinco de dezembro como o dia do nascimento de Cristo. O mesmo Cristo relacionado com os santos da igreja em histórias contadas pelos mais velhos. 

Mas a minha vida naquela época, como a vida de todos os meus amigos não era só de Natal e igreja. Pais de amigos contando sobre a criação divina, amigos com mais idade dizendo de particularidades da Bíblia, mesmo incompletas ou um pouco distorcidas, pois eram crianças também, sujeitas a erros. Professores, os amigos da escola, as pessoas nas ruas, todos se referindo a um contexto complexo e absoluto a me informar, educar, ensinar e a respeitar os fatos do cristianismo. 

Meu cérebro, como o de todas as crianças, estavam em desenvolvimento. Isso era: de uma massa bruta, não lapidada, o nosso meio ambiente social influía decisivamente na formação do nosso caráter, da nossa personalidade e dos nossos valores religiosos, alguns já citados no começo deste texto, todos influenciados pelo cristianismo de forma direta e absolutamente inquestionável. 

Não eram somente as histórias, ensinamentos e fatos das vidas daquelas pessoas maravilhosas ilustradas em revistas, livros, na igreja ou se falando delas em conversas das pessoas sobre a nossa religião a nos educar. Nossos valores, nossas concepções de como é este mundo, o certo e o errado provenientes das interpretações do nosso Livro Sagrado, a Bíblia, eram influências a moldarem nossas cabeças. "Não roubarás”, “Não matarás"... Não serão todas essas influências uma forte carga emocional para nós, desde as primeiras idades, a marcarem nossas vidas e condutas perante às pessoas e a nossa sociedade? Não há dúvidas sobre isso. 

Tenho conversado com muitas pessoas religiosas sobre esse tema. Pessoas assíduas praticantes de suas religiões. O católico frequentando suas missas, rezando, orando, louvando os seus santos. O evangélico sempre presente em cultos, contribuindo com o dízimo para com a sua igreja, lendo e/ou estudando o Novo Testamento, hinduístas e budistas praticando os seus mantras, etc. 

Posso dizer algo importante e surpreendente sobre essas conversas: todos sem exceção admitem as "verdades" de suas crenças como absolutas, suas religiões como as corretas, desprezando, ficando indiferente quando digo das "verdades" das outras. Chegam essas conversas a serem motivos de discussões acaloradas quando eu teimo em dizer da relatividade das religiões, tema este sempre abordado por mim em meus artigos em vários blogs. Digo neles do desprezo de cada pessoa com as crenças das outras. Isto mostra claramente o relativismo entre elas. Suas "verdades" são relativas, dependem de onde cresceram, a cultura local, religião local, etc. Leia o meu artigo "O relativismo das religiões e o que existe por trás disto", (1). O absoluto é a capacidade do ser humano em crer, sentir algo sobrenatural, ou ter fé somente em si mesmo, como é o caso dos ateus. Esta capacidade, e acredito nisto, veio da evolução sobre os seres humanos e se tornou uma vantagem para a perpetuação da espécie no planeta como está no artigo mencionado. 

Em experiências com budistas e freiras franciscanas, eles em meditação e elas rezando, dois cientistas da Universidade da Pensilvânia, EUA, o neurocientista  Andrew Newberg e o psiquiatra Eugene D'Aquili, perceberam uma diminuição da atividade neuronal na parte de trás dos crânios daquelas pessoas, no lobo parietal superior. É a região do cérebro onde temos o senso de orientação no espaço e no tempo e também da diferenciação entre indivíduo e os demais seres e objetos. Privados dessa atividade neuronal, os budistas e as freiras sentiram uma perda da divisão de seus seres com as coisas desse mundo, ou seja, tiveram um sentimento de unicidade com o universo. É o mesmo sentimento de iluminação religiosa, êxtase, a perda do "eu" ao se misturar com o mundo ao redor. 

Veja, essa porção do cérebro funciona assim devido a sua estrutura determinada por genes, independente das crenças de cada um. As freiras rezavam com motivos cristãos e os budistas com o aprendido em suas vidas bem diferentes daquelas das freiras. E ambos os grupos chegaram à mesma situação, ou estado. Os antecedentes, ou pais, das freiras e dos budistas, passaram seus genes aos filhos e foram construídas regiões cerebrais "brutas", iguais em seus cérebros, a serem lapidadas diferentemente pela educação, ensinamentos, crenças e a cultura de onde vieram. Eles nasceram com tudo o que acreditam em seus cérebros? A resposta é não! Isto poderia ser provado? Bastaria não os ensinar sobre as suas religiões, mas quem faria isto? Ninguém, mas podemos imaginar sem erro da veracidade dessa proposição. 

Vejo pessoas doutrinadas desde crianças nos ensinamentos religiosos de seus meios sociais. E blasfêmia fora um ótimo termo para manter todo mundo ligado a eles. Até pode ter surgido com outras finalidades, mas o termo é feio, fere as convicções de cada um, ofende, é ligado a preconceito, etc. Todos possuem medo dela. 

Chamei este artigo de "O paradoxo dos gêmeos religiosos" porque, para quem não consegue mudar seu referencial, se desprendendo de tudo ensinado a ela em termos de, não só educação religiosa, mas, de informações e conceitos da religião local, do próprio contexto social, se colocando no lugar das pessoas de outras religiões, não irá entender nada aqui escrito. Poderá pensar em ser um paradoxo este texto, não saberá explicar as ideias apresentadas aqui. E na realidade não existe paradoxo nenhum. Confusão nenhuma. Existe para os que acham a religiões deles absolutas, corretas em relação as outras, e estas, apenas invenções de outros povos. E não é, e sim o acreditar e a fé são absolutos, reais a todas as pessoas. São inerentes à natureza dos homens e mulheres. 

O sociobiólogo Edward Wilson disse, em seu livro “Da Natureza Humana”, (2) que o ser humano criou mais de 60.000 seitas e religiões devido ao nosso medo da morte e do após a morte. Outras razões também mexiam e mexem conosco como o fato de se querer explicar a origem de tudo, da natureza, de nós mesmos, de como lidarmos com o bem e o mal, o porquê das suas existências, etc. Nós seres humanos sempre tivemos a capacidade para acreditar em algo e passamos aos nossos descendentes no planeta inteiro em diferentes épocas. Por isso a existência de tantas crenças diferentes até hoje e citei apenas poucos aspectos de três delas neste artigo para o entendimento do leitor. Nenhuma delas é absoluta. No xintoísmo japonês, a mais praticada no Japão, por exemplo, o mundo foi criado a partir de pingos d'água produzidos através de uma lança atirada ao mar por um casal de deuses. Esses pingos se transformaram em ilhas. Na época do surgimento dessa crença, os japoneses, seus ancestrais, não conheciam os continentes, nem sabiam de um planeta esférico repleto de outras ilhas e continentes. Eles procuraram uma resposta com relação às misteriosas paisagens no horizonte: mar e algumas ilhas. Veja o meu artigo "O surgimento de uma religião como uma necessidade humana". (3) 

Enfim, as religiões buscaram respostas para grandes mistérios perpetuados na mente dos seres humanos, mas, esses mistérios acabaram sendo explicados nas mais variadas formas, tornando o conhecimento, ainda sem a ciência tradicional, uma verdadeira torre de babel. A ciência sim busca respostas satisfatórias porque   não lida com a emoção, a fé, o acreditar, e sim com a razão. E aí busca respostas "únicas". 

Uma religião pode "explicar" o surgimento do universo da sua maneira, absoluta para os seus seguidores. Mas outra explica de modo diferente... Absoluta também para os seus fiéis... Qual estará correta? Digo: explicações assim não são do campo dos sentimentos e emoções e, por isto, é dever das ciências, e só delas.  


Referências: 

1 – Argos Arruda Pinto. O relativismo religioso e o que existe por trás disto. 2007. Disponível em: < http://orelativismodasreligioes.blogspot.com/2007/03/o-relativismo-das-religies-e-o-que.html >. Acesso em: 27/09/2018. 

2 – WILSON, E. Da Natureza Humana. 1. ed. São Paulo: Editora EDUSP, 1981. 

3 – Argos Arruda Pinto. O surgimento de uma religião como uma necessidade humana. 2008. Disponível em: < http://orelativismodasreligioes.blogspot.com/2008/01/o-surgimento-de-uma-religio-como-uma_11.html >. Acesso em: 27/09/2018.